Quando estávamos divulgando em diversas regiões do Brasil o documento Catequese Renovada, em muitos encontros os catequistas faziam cartazes mostrando evangelizadores com a Bíblia em uma das mãos e um jornal na outra. Era um jeito do mostrar que ali percebiam a muito mencionada “interação fé e vida”. Para falar disso, Catequese Renovada (CR 74) citava outro documento anterior (Medellin - de 1968) que dizia: “As situações históricas e as aspirações autenticamente humanas são parte indispensável do conteúdo da catequese”. A Bíblia, livro da catequese por excelência, também foi escrita a partir das situações históricas que o povo vivia em cada época e lidava com as aspirações humanas que marcavam a vida daquele povo. Como essas coisas mudavam no decorrer dos séculos, vemos na Bíblia instruções que vão evoluindo.
Podemos pensar num exemplo. No Antigo Testamento temos a chamada lei do talião, que mandava tomar olho por olho, dente por dente, cada um punindo o outro na mesma medida em que fora prejudicado. Na época em que isso foi ensinado, era até um progresso porque limitava a punição, que passou a ter como limite o tamanho da ofensa. Mas depois veio Jesus e disse: Eu, porém, vos digo... E mandou: Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam (Lc 6,27). Foi uma grande evolução, destinada a mudar a vida das pessoas e indicando um jeito de recuperar em vez de castigar os que erram. Hoje podemos pensar em muitas situações de pessoas que precisam ser recuperadas. Ninguém nasce querendo ser “bandido”. Pessoas perdem o rumo porque não receberam desde o começo o que precisavam para fazer da sua vida um caminho construtivo. Na catequese podemos conversar sobre isso, não apenas pensando nos que foram julgados e encarcerados, mas também naqueles que precisam se sentir valorizados para acreditarem que são capazes de corrigir seus erros. Afinal, ninguém melhora se acreditar que é incapaz, um caso perdido.
A catequese convida a perceber que ouvimos Deus de duas maneiras bem entrelaçadas: na Palavra que nos vem da Bíblia e na Vida, com nossas experiências , sensações, encontros. Foi assim também com o povo do Antigo Testamento: a Palavra de Deus nascia dentro da história, compreendida a partir do que estava sendo vivido. Por isso temos até às vezes textos que parecem se contradizer porque uns nasceram em tempos de guerra, tragédias, perigos, outros celebram vitórias; todos dependem do que o povo era capaz de sentir, viver e compreender em cada situação. Era Deus usando uma “pedagogia” que se adaptava às necessidades, sentimentos e nível de amadurecimento do povo.
Hoje a catequese tem que preparar para uma ação transformadora nas condições da sociedade em que vivemos. Para isso, é claro, ninguém deve viver sem perceber o que acontece à sua volta, tanto no ambiente pessoal, como na sociedade como um todo. Por isso, os cartazes mostravam a Bíblia em uma das mãos e o jornal na outra. É um jeito de dizer: não fique indiferente ao que acontece na vida do conjunto do povo. É interessante perceber como, desde o começo, a Bíblia nos mostra que fomos criados para cuidar bem uns dos outros. A narrativa simbólica do jardim do Éden já diz que o ser humano foi colocado ali para “cultivar e guardar” o que Deus criara (Gn 215). Depois, diante do pecado de Caim, Deus pergunta: _Onde está teu irmão? A resposta ilustra a gravidade da indiferença e do desinteresse pelo bem do outro. Caim diz: Não sei. Acaso sou guarda de meu irmão?
Podemos hoje olhar as notícias do jornal e pensar como ficaria a vida se todos fossem realmente guardas protetores, responsáveis pelos irmãos que Deus nos dá na grande família humana. Aí poderíamos propor que os catequizandos imaginassem um jornal com notícias diferentes, o jornal como ele seria numa cidade em que a fraternidade, o cuidado com o próximo, a justiça, o respeito aos direitos humanos de todos fossem praticados com a alegria de estarmos vivendo do jeito como Deus sempre quis.
Em se tratando de crianças, às vezes achamos que não precisaríamos abordar esses assuntos porque ali estariam situações chocantes que elas não podem modificar. Mas crianças sonham com o futuro. Uma pergunta que elas ouvem com certa frequência é: O que você vai quer ser quando crescer? Esse futuro começa a ser preparado com a educação que as ajuda a entender a vida como ela deve ser. Além disso, muitas vezes adultos ficam envergonhados diante da pureza com que as crianças olham o mundo, livres de preconceitos e, de certa forma, esperando que os mais velhos saibam construir um mundo bom. Um jornal inventado pelas crianças com as notícias de uma cidade imaginária, onde a vida é do jeito como Deus quer, pode estimular conversas interessantes com os adultos em casa.
Os adolescentes e jovens depois também poderiam ter boas propostas para a vida na sua cidade, para que se pusessem em prática os valores do Evangelho. E todos na catequese, incluindo adultos e os próprios catequistas, poderiam convidar agentes de pastorais sociais para conversar sobre o que precisa ser transformado na cidade e o que poderia ser feito para melhorar a vida de todos. Visitas aos espaços de trabalho dessas pastorais ajudariam a perceber a relação entre amar a Deus e ao próximo, entre rezar e agir, despertando novas vocações.
Percebemos a catequese como espaço especial de formação de bons construtores da vida como ela deve ser?
Olhamos o mundo sabendo ouvir nele os apelos de Deus diante de realidades que precisam ser transformadas?
Therezinha Motta Lima da Cruz
junho/2020