A Liturgia e a Iniciação à Vida Cristã (II)
Por meio da liturgia, a comunidade de fiéis manifesta o rosto da fé. Com a composição dos ritos, símbolos, gestos e palavras, as celebrações litúrgicas expressam a alegria da fé.
O Concílio Vaticano II nos ajuda a compreender, em sentido didático e pastoral, a ação litúrgica da fé cristã:
“A Sagrada Liturgia é grande fonte de instrução para o povo fiel. Na Liturgia Deus fala ao seu povo, e Cristo continua a anunciar o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração” (Sacrossanctum Concilium, 33).
Assim, entendemos que toda celebração litúrgica é catequética. Ou seja, celebrar a fé é a oportunidade de aprofundar o sentido dela e o significado dos mistérios celebrados. A celebração litúrgica não é encontro de catequese, pois o ato de explicar a fé decorre da adesão sincera e seguimento gradual do itinerário formativo da fé professada em comunidade.
Por isso, diz-se que catequese e liturgia são elementos e dimensões essenciais para a iniciação cristã. Elementos porque a catequese explica e aprofunda a fé. Antes, a liturgia é quem faz memória e celebra o dom da fé, no encontro da comunidade. E são dimensões porque a fé sem a mística da liturgia é um conjunto de artigos doutrinais, reduzidos ao intelectualismo. E sem os argumentos da catequese, a fé pode reduzir-se aos ritualismos e preceitos formais.
Como entender catequese e liturgia à serviço da iniciação à vida cristã?
“O verdadeiro sentido da liturgia, de fato, não se transmite principalmente através de ensinamentos sobre a liturgia, mas se adquire, em primeiro lugar, pelas liturgias que se vivem e se celebram costumeiramente, domingo após domingo, nas comunidades cristãs de pertença”.[1]
Conduzir itinerários de iniciação à vida cristã é recuperar a dimensão vivencial da fé. Muito se fala em transmissão da fé, seja por meio dos familiares e pessoas próximas, seja com a ajuda de catequistas e da comunidade local. Porém, a transmissão da fé alcança sua plenitude no ato da comunhão eclesial, isto é, no encontro com as pessoas e suas vivências cotidianas de alegrias e angústias, projetos e realizações, tristezas e conquistas.
Aqui se entende o que a fé realiza no íntimo das pessoas: o sentimento de identidade eclesial e pertença comunitária.
A liturgia semanal marca a identidade da fé cristã. Especialmente aos domingos, os filhos e filhas da ressurreição reúnem-se em ação de graças ao Deus da vida, criador e providente. Ao iniciar seus louvores, a assembleia aclama: Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo. Esta é a consciência de um povo assinalado e resgatado pela misericórdia do Pai, expressada na Páscoa do Filho na força do Espírito Santo.
O povo reunido em assembleia atualiza a memória do mistério pascal de Jesus Cristo. O auge da história da salvação concentra-se nos fatos da paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. Este mistério de vida e de fé é o núcleo da Liturgia, como fato a ser lembrado e celebrado. É também o centro de toda Catequese, porque é o conteúdo essencial da fé a ser conhecido e aprofundado pela comunidade. Liturgia e Catequese permanecem, portanto, em íntima unidade sob a ação do Espírito Santo, memória da Igreja (cf. Jo 14,26).
O mesmo Espírito que deu ânimo para a criação envolve a história de cada pessoa neste mistério de fé, a Páscoa de Cristo. As lutas e esperanças de mulheres e homens de todos os tempos e lugares encontram sentido na vida nova que vem pela ressurreição. A vida concreta das pessoas e da criação inteira tem ligação com o movimento de doação de vida que Cristo faz de si mesmo.
A liturgia, portanto, é um modo de espelhar a vida humana na vida de Jesus Cristo. Reunir-se no amor de Cristo, conforme a comunidade reza ao início de cada celebração eucarística, é crescer no entendimento de que o ser humano encontra em Jesus de Nazaré o itinerário para sua existência.
“A assembleia litúrgica, finalmente, é uma grande escola de humanidade”.[2] Envolvidos pelas músicas rituais e litúrgicas, ouvindo a Palavra e participando ativamente do ato litúrgico, a comunidade de fiéis encontra na composição das palavras e gestos simbólicos, a resposta e o sentido para suas dúvidas, inquietações e dificuldades. Ao mesmo tempo que louva e agradece em uma só voz as alegrias e vitórias cotidianas.
“Desse modo, a liturgia parece dizer: queres conhecer, aprender, guardar e transmitir o mistério da Igreja? Toma parte à assembleia da tua paróquia e aí aprenderás o que é a Igreja, o que é, na realidade, o corpo de Cristo. Enquanto não compreenderes e aceitares esta assembleia assim como ela se apresenta, não terás compreendido e aceitado plenamente o mistério da Igreja, porque aí e não em outro lugar encontrarás, conhecerás aquela humanidade pela qual Cristo deu sua vida”.[3]
Assim, a iniciação à vida cristã é responsável por formar a família de Cristo, acolhida na comunidade-casa que é a Igreja, Mãe e Mestra, formando os discípulos e discípulas a partir das memórias que sustentam a caminhada da fé para crescerem no serviço mútuo de promoção da vida plena.
Ariél Philippi Machado
[1] BOSELLI, Goffredo. O sentido espiritual da liturgia. Brasília: CNBB, 2014. p. 188. (Coleção Vida e Liturgia da Igreja)
[2] BOSELLI, 2014, p. 194.
[3] BOSELLI, 2014, p. 194.