Muitas vezes quem não acolhe a fé não está mentalmente aberto para escutar os argumentos da fé, porque no fundo a certeza interior depende em grande parte do sentimento moral. A rejeição da fé surge de um defeito do coração e não do intelecto. Se alguém persiste na sua autossuficiência, sem demonstrar necessidade nem um desejo de Deus, então o resultado lógico será a descrença, o que geralmente esta é uma situação muito mais existencial do que intelectual.
Por isso necessitamos hoje de uma mistagogia pastoral, isto é, de uma iniciação gradual das pessoas num sentido do mistério que não ocupa apenas momentos especiais na vida da pessoa par conseguir equilíbrio e paz, mas especificamente no exercício de sua liberdade no cotidiano.
Tal como as parábolas, é preciso hoje anunciar a fé numa nova perspectiva que implique numa nova racionalidade e afetividade. Assim, os sacramentos e a doutrina da fé permanecem sendo cruciais, mas precisam ir ao encontro de uma pedagogia pastoral capaz de ir ao encontro da atual crise da fé. Para a nova sensibilidade pós-moderna, o que faz falta é uma pré-evangelização espiritual que liberte o desejo e abra caminhos de oração e de escuta da Palavra.
A fé, portanto, implica numa decisão pessoal mais exigente e densa do que fora requerido em gerações anteriores. Atualmente o vento mudou de direção em relação à fé cristã no ocidente. Ser cristão não significa apenas tomar uma decisão, mas inclui enfrentar e até contrastar os valores dominantes.
Muitas pessoas desprezam uma fé exterior e sociológica e aderem uma forma superficial de descrença, animadas pelo talante da cultura dominante. Diante dos desafios atuais uma fé madura exigirá que os cristãos sejam pessoas corajosas e humildes para afrontar as principais correntes da sociedade.
Nesse novo ambiente a fé não necessita tanto de palavras quanto de gestos; não tanto de hábitos quanto de práxis. A fé cristã é muito mais um modo de ser do que uma palavra, ou melhor, suas palavras somente são críveis quando são testemunhadas por um estilo de vida transformado.
Muitas pessoas admiram a profundidade ou a religiosidade de um modo genérico, porém não possuem a convicção necessária para avançar para águas mais profundas e realizar um autêntico encontro com Jesus Cristo, que é o centro da fé. O realismo dos evangelhos lhes resulta exagerado, a pretensão de anunciar Jesus de Nazaré como o Filho de Deus encarnado lhes parece excessivamente definida e dogmática.
Conclui-se que é preciso dar razões do Evangelho no mundo atual e a fé cristã é algo mais do que a realização e satisfação das necessidades humanas. O crucial da fé cristã é Jesus Cristo; nele os valores e os significados elaborados humanamente são transformados por uma palavra nova, pela presença de uma Pessoa, por um chamado que deve ser reconhecido, por uma promessa amorosa, por uma surpresa que excede tudo o que possamos imaginar.
Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo Metropolitano de Santa Maria