Bíblia e Catequese
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20/02/2018 Therezinha Motta Lima da Cruz Bíblia e Catequese E quando um texto contradiz o outro?
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Therezinha Motta Lima da Cruz

A Bíblia não é um livro, é uma biblioteca inteira. Além de ter (na aceitação católica) 73 livros, é um conjunto de textos que foram escritos durante muitos séculos. Até dentro de um mesmo texto podemos ter frases, afirmações, escritas em épocas bem diferentes porque nenhum livro era composto do jeito como faríamos hoje.  Por isso, não é espantoso que tenhamos, às vezes até no mesmo livro, afirmações que não combinam entre si. 

Pessoas muitas vezes se espantam com isso. Como, sendo Palavra de Deus, um texto pode até dizer o contrário de outro? Mas, se examinarmos até nossa vida pessoal de hoje, veremos que também somos capazes de dar conselhos opostos, às vezes até no mesmo dia, porque estamos nos referindo a situações diferentes.  Uma amiga um dia me contou que tinha dois filhos, um que só ficava em casa, nunca queria sair, e outro que queria passar o dia inteiro na rua. Então, no mesmo dia, ela lembrou a eles dois provérbios diferentes. Ao primeiro disse: “Cobra que não anda não engole sapo”, sai, menino, vai fazer alguma coisa lá fora!  Ao outro lembrou: “Boa romaria faz quem em casa fica em paz.”

As aparentes contradições bíblicas surgem logo no começo. Por exemplo: em Gênesis 1, no poema da criação, se diz que a vegetação foi criada no terceiro dia e o ser humano veio depois, no sexto dia. No capítulo seguinte, onde vai aparecer a história de Adão e Eva, lemos em Gn 2,5: ainda não tinha brotado a vegetação, porque o Senhor Deus ainda não havia enviado chuva sobre a terra nem havia homem para cultivar o solo.  Se esses dois textos fossem “aulas de biologia”, pelo menos um estaria errado. Mas, além de serem textos escritos em épocas diferentes, com intenções diferentes, não devem ser interpretados ao pé da letra. Não querem explicar como cada coisa apareceu no planeta, querem mostrar o sentido e a importância de tudo que nos vem de Deus. São maneiras simbólicas, poéticas, de afirmar que o mundo e as pessoas existem por causa do poder amoroso e magnífico de Deus. São maneiras diferentes de afirmar a mesma verdade: o ser humano foi criado para cuidar bem da criação e tem um valor especial. Para entender isso sem desvalorizar a verdade bíblica temos que entender que linguagem simbólica e poesia não são “menos” verdadeiras, são expressões de uma verdade mais ampla, que vai além do que parece à primeira vista,  que vale para todos os tempos. São textos que exigem uma sensibilidade maior para estilos literários e geralmente crianças não seriam capazes de captar a beleza e a profundidade da verdade ali expressada.  

Temos diferenças menores, que não chegam a ser contradições e vêm de textos escritos em épocas diferentes ou por autores diferentes, sobre o mesmo assunto. Assim, o monte onde Moisés recebeu os mandamentos pode ser chamado de Sinai, mas também de Horeb. As narrações das palavras de Jesus na cruz são diferentes nos 4 evangelhos porque cada evangelista queria destacar o que considerava mais importante. Mateus coloca frases importantes de Jesus no chamado “sermão da montanha” (porque, falando para judeus,  queria tornar o relato semelhante à ligação de Moisés com Deus, no monte) . Lucas situa a grande pregação de Jesus “na planície” (porque, se dirigindo a outros povos, quer dizer que a fala de Jesus é para todos). 

Uma grande questão que gera afirmações controversas no Antigo Testamento é: Deus faz tudo correr bem para os justos ou eles também podem se dar mal? Diante disso podemos, entre outras, citar duas afirmações bem diferentes:

O Salmo 37, 25 diz: Fui criança e agora estou velho: nunca vi um justo abandonado nem um descendente seu pedindo pão.

O Eclesiastes 7,15 diz: Já vi de tudo em minha vida vã: o justo que perece, apesar da sua justiça, e o ímpio que sobrevive longamente, apesar de sua maldade. 

Essas afirmações divergentes acontecem porque, no começo, não se acreditava em vida após a morte. Então, se Deus fosse justo, teria que premiar os bons aqui mesmo nesta vida. Depois, com a fé na recompensa da vida eterna, até os mártires podiam ser vistos como abençoados porque iriam para outra vida junto de Deus. Isso significa que, para entender bem cada texto, temos que perceber o que acontecia e se pensava na época em que foi escrito. 

Não vamos trabalhar essas diferenças especificamente em catequese de crianças, mas pode acontecer que até mesmo uma criança sem querer se depare com algo que lhe parece contraditório num texto bíblico. Aí teríamos que situar a cada mensagem no seu contexto. Com adultos, é bom prepará-los para esse e outros tipos de “surpresa” para poderem ler a Bíblia sem susto.

            Percebemos que situações diferentes podem pedir respostas diferentes?

            Nossa compreensão da mensagem bíblica tem evoluído à medida que amadurecemos?

            Estamos preparados para perceber verdades expressas em poesia e linguagem simbólica? 

Therezinha Motta Lima da Cruz

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