Bíblia e Catequese
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01/02/2018 Therezinha Motta Lima da Cruz Bíblia e Catequese Os judeus prepararam nosso caminho
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A Bíblia começou com os judeus. É pela história deles que chegaram a nós os básicos elementos da revelação de nosso relacionamento com Deus. Em sua literatura sapiencial, simbólica, profética e em sua cultura marcada por celebrações e regras capazes de alimentar uma identidade religiosa, temos o cenário escolhido por Deus para dar origem ao desenvolvimento da nossa religião cristã. O judaísmo é como a raiz e os primeiros ramos da árvore em que fomos enxertados. Nosso Jesus era judeu, nossa venerada Maria, seu dedicado esposo José, João Batista, os primeiros apóstolos eram todos judeus. O cenário em que nos foi comunicada a Boa Nova evangélica era uma cultura judaica.

Isso é óbvio mas, às vezes, na catequese e nas pregações parece que estamos fazendo uma separação em que judeus são colocados como o “outro lado”, a “oposição”.

Por exemplo: o texto de João 20, 19-23, que fala da aparição de Jesus aos discípulos após a ressurreição,  diz que “os discípulos estavam reunidos com as portas fechadas por medo dos judeus”. Sempre que alguém lê e comenta esse texto, fico esperando que a pessoa se lembre de dizer que aqueles que estavam com as portas fechadas por medo dos judeus também eram judeus. Mas isso não acontece. É claro que houve uma reação de grupos judaicos a Jesus, com autoridades religiosas querendo a sua condenação. Os romanos que mataram Jesus foram estimulados e até pressionados a fazer isso por insistência e denúncia de setores do judaísmo. Mas isso não nos autoriza a colocar “os judeus”, coletivamente, como responsáveis pela crucificação. Não se pode rotular um povo inteiro por causa do comportamento de alguns grupos. Aliás, os responsáveis pela morte de Jesus somos nós todos, a humanidade inteira, já que o sacrifício da cruz veio para redimir todos os  pecadores.

Assim sendo, na catequese, seria bom não generalizar e, em vez de dizer que os judeus se opuseram a Jesus, falar de “alguns judeus” ou “muitas autoridades judaicas” que queriam se livrar desse pregador que estava tendo tantos seguidores (que também eram judeus).  Até quando falamos de fariseus devemos lembrar que nem todos eram necessariamente inimigos de Jesus (os saduceus eram até mais contrários a Jesus). Fariseus defendiam, é verdade, posturas tradicionais que Jesus ia aplicando e explicando de outro jeito mas alguns foram capazes de ouvi-lo e perceber que ele não viera para abolir a Lei, mas para dar a ela um cumprimento mais amplo, que não estava ao alcance da compreensão do povo em outros tempos. 

Por outro lado, ainda atualmente, teríamos algo a aprender a partir da cultura judaica. Judeus guardam suas festas até hoje, mesmo quando estão em outros países. Eles não deixariam figuras como o Papai Noel e o coelho da Páscoa se tornarem donos de celebrações importantes como devem ser para nós a Páscoa e o Natal. A literatura judaica, ainda hoje, trabalha com estilo sapiencial, parábolas, frases significativas que marcam mais os sentimentos das pessoas do que certos discursos doutrinários que nós nos acostumamos a fazer. Por exemplo, eles dizem: “Não é o judeu que guarda o sábado, é o sábado que guarda o judeu.” Sabemos aplicar isso ao nosso domingo? “Guardamos” o domingo como quem cumpre uma obrigação ou percebemos que nossas celebrações dominicais “guardam”, alimentam, sustentam nossa identidade de fé?

Atualmente temos alguns textos que chamam os judeus de “nossos irmãos mais velhos na fé”. É um modo mais simpático de apresentar a história em que nosso Jesus nasceu. Hoje temos ecumenismo – que é diálogo entre cristãos de Igrejas diferentes – e diálogo interreligioso, que é nosso relacionamento respeitoso com outras religiões. Mas o diálogo católico com o judaísmo fica um pouco no meio porque esse é o ambiente e a cultura religiosa onde se situa a origem do cristianismo, da Bíblia, da nossa história da salvação.

É verdade que alguns textos e modos de expressão do Antigo Testamento não combinam com o modo atual cristão de viver a fé. Mas nem por isso deixam de fazer parte da história que nos deu Jesus. Há frases bíblicas que até podem parecer chocantes, mas tudo isso faz parte de uma pedagogia progressiva: Deus foi-se revelando de acordo com a situação e a compreensão do povo em cada época. À medida que a consciência coletiva se desenvolvia, o compromisso com Deus foi exigindo novas atitudes. E não é assim também que vamos crescendo, aprendendo e assumindo coisas novas?

Mas também é verdade que, ainda hoje, apesar de tudo que Jesus nos pediu em relação à justiça e amor ao próximo, não conseguimos construir uma sociedade totalmente marcada pelos verdadeiros valores do Reino. Por isso, muitas vezes textos de profetas do Antigo Testamento, normas de tratamento de pobres (representados por pobres, estrangeiros e viúvas) nos deixam encabulados porque ainda não estamos à altura de certas coisas que Deus já havia pedido ao povo judeu.

Diante disso, é bom cuidar de apresentar bem os judeus na catequese. Afinal, temos muito a agradecer a eles.

Como costumamos falar dos judeus em nossa catequese?

Valorizamos esse povo que Deus escolheu e onde nasceu Jesus?

Percebemos que, sendo herdeiros de algo que nos veio dos judeus, deveríamos nos preparar para um diálogo construtivo com essa cultura?

Therezinha Motta Lima da Cruz

Foi assessora nacional de catequese, é autora de vários livros de catequese e ensino religioso.

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