Um filósofo disse: “O ar da cidade nos torna livres”. Olhando uma grande cidade, vemos um povo que não é assim tão livre, com muita gente oprimida. Mas a frase se refere à maior variedade de opções que a cidade oferece. Embora não haja emprego para todos, as opções profissionais são mais amplas. O controle social é menor, as informações são mais variadas e acessíveis. Mas há também uma pressão mais forte do mercado. Adolescentes, crianças e até adultos podem se sentir desvalorizados se não puderem ter as coisas que estão na moda, a aparência pode ser mais apreciada do que a real personalidade de cada um.
As escolas têm hoje um ambiente diferente, com alunos menos disciplinados e com muitos se sentindo humilhados pelos colegas porque não correspondem ao modelo de vida, de comportamento, de estilo de vida que está sendo mais valorizado.
Essas situações apresentam objetivos importantes a serem trabalhados na catequese. Essa liberdade, que dá novos poderes a cada um, precisa ser vivida de forma responsável, fraterna, respeitosa. Isso me faz lembrar uma cena do filme do Homem Aranha: “Peter Parker , com poder de se transformar no Homem Aranha, queria namorar a Mary Jane mas tinha medo de, ao fazer isso, expor a moça a perigos. Seus inimigos, não podendo vencê-lo, poderiam ameaçá-la para poder dominá-lo. Conversa sobre isso com seu tio, que lhe diz: A vida é assim mesmo, com grande poder vem grande responsabilidade.” Isso vale também para a questão da liberdade de escolhas. Quanto maior for a liberdade, maior será nossa responsabilidade de fazer as escolhas certas. Aliás, Jesus já havia dito algo que se relaciona com isso: “A quem muito foi dado muito será pedido.”(Lc 12,48)
Tudo isso traz provocações importantes para a catequese. Não basta apresentar mandamentos, regulamentos a serem seguidos. É preciso mostrar por que certas atitudes devem ser evitadas e outras devem fazer parte do nosso modo de agir. Se somos fraternos, criamos um ambiente amigável e nesse ambiente todos vão viver melhor. Pode parecer divertido humilhar um colega, mas isso vai nos fazer perder um possível amigo, vai criar um ambiente desrespeitoso para todos, vai animar outros a fazerem o mesmo conosco, vai desmentir o que dizemos sobre a nossa identidade religiosa. O mesmo vale para outras atitudes que tanta gente à nossa volta considera “normais”, como mentir para levar vantagem, escolher relacionamentos sexuais irresponsáveis, pagar “na mesma moeda” as ofensas que recebemos… O livre arbítrio precisa ser visto não como uma licença para fazer o que cada um acha que lhe vai ser proveitoso. Livre arbítrio é o que dá valor às nossas decisões. Se o ser humano fosse um robô bem dirigido nenhuma de suas ações teria mérito. Lembro do escritor Asimov, que imaginou um universo onde os robôs tinham uma primeira lei que nunca poderia ser violada: “Um robô não pode causar nenhum mal a um ser humano.” Se o robô desobedecesse a essa lei sofreria um colapso e se destruiria. Em um de seus contos Asimov apresenta um casal em que o marido é um andróide (um robô com aparência humana). Por causa dessa primeira lei, ele não podia dar o menor desgosto a sua mulher. Primeiro fiquei achando que eu queria um marido assim, mas logo depois percebi que nenhum gesto desse robô seria um sinal de amor real e fiquei preferindo o marido que eu tinha porque cada gentileza dele era verdadeira.
A catequese deve valorizar a liberdade que nos permite realizar coisas valorosas, até heróicas. Precisa mostrar que vale a pena usar bem o livre arbítrio que vai construindo nossa identidade humana e religiosa. Podemos usar filmes, literatura e notícias de jornal e propor uma dinâmica onde cada grupo vai imaginar o que ficaria diferente se a liberdade de cada um fosse usada de outra maneira.
A liberdade que tanto cresceu no ambiente urbano se refere também à escolha da pertença religiosa. A cidade tem múltiplas opções, dentro do cristianismo e em outras religiões. Isso vai exigir de nós uma apresentação bem mais convincente da nossa proposta de fé. Não se faz isso combatendo outras religiões ou Igrejas (pelo contrário, isso até daria uma imagem antipática e menos atraente do nosso anúncio). Se queremos uma catequese eficiente no meio de tantas possíveis escolhas, várias coisas não podem faltar. Entre elas estariam: sincero e entusiasmado comprometimento com Jesus, acolhimento fraterno de quem procura nossa Igreja, capacidade de ouvir e conhecer cada catequizando, apresentação positiva (não assustadora) do projeto de Deus, catequistas bem preparados para apresentar a nossa fé como algo que torna mais valiosa e construtiva a nossa vida, capacidade de viver com alegria o que a nossa fé nos pede e a certeza de estarmos sempre diante de um Deus que quer nos ver como uma grande e amorosa família.
Alguns podem até ter saudade de um outro tempo em que nossa religião era uma tradição meio automática. Mas a liberdade de escolha torna a adesão mais profunda e nos estimula a fazer um trabalho mais animado, criativo e bem preparado. Pode até parecer mais difícil mas no fim vamos todos crescer mais na fé, na dedicação à catequese e no relacionamento com os irmãos da grande família em que Deus nos colocou.
Que sinais dessa liberdade de escolha são mais visíveis na sua cidade?
Como a Igreja tem se preparado para lidar com estes novos tempos?
De que modo Jesus nos acompanha em nosso trabalho catequético e em nossa vida diária?
Therezinha Motta Lima da Cruz
Catequéta. Foi assessora nacional de catequese. É autora de vários livros de catequese e Ensino Religioso